Bate-papo com Catarina Bessell
Conversamos com a Catarina Bessell, que nos contou um pouquinho sobre as ilustrações do livro O reino dos mal-humorados, de Rosana Rios.
Como foi sua relação com o texto?
O trabalho de ilustradora sempre começa com o texto: é dali que a gente começa a viagem. O texto da Rosana é rico de referências, descrições e, apesar de falar de um reino cheio de mal-humorados, tem muito humor! Pra mim a ilustração tem sempre que acrescentar algo à narrativa, agregar. Então, fui pela via do humor: quis deixar esse reino mal-humorado o mais engraçado possível.
Como foi o processo de construção dos personagens? Quais foram suas referências?
A gente reconhece o mau humor dos outros pelas expressões, pelo rosto, pela postura. São signos visuais que a gente lê. Ou seja, não deixa de ser uma leitura, uma linguagem. As personagens então foram criadas a partir de locuções e expressões da língua portuguesa que se relacionam com "mau humor". O primeiro ministro tinha que ser estressado, usa um chapéu como o Churchill usava, mas é uma bomba, de pavio curto; a governanta, a quem todos temem, tem o cabelo de vespeiro; a coroa do rei é uma cordilheira que no topo sempre está nublado, com tempo fechado... enfim, fui no máximo da literalidade gráfica dessas expressões! As estátuas da Ilha de Páscoa vieram desse mesmo raciocínio: para a guarda real do castelo eu precisava das maiores carrancas possíveis, gigantes, e na pesquisa iconográfica apareceram essas estátuas - que são de fato gigantescas e com expressões que, mesmo que originalmente não tenham sido pensadas com esse intuito, para nossa cultura, agora, não parecem lá muito felizes ou bem-humoradas, rs.
Qual foi a técnica usada? E como foi a decisão da paleta de cores?
As cores ainda seguem sendo a melhor técnica para transmitir emoções, sensações.
O tempinho "maravilhoso" de Londres (onde morei um ano) me veio na hora: uma paleta de cores de baixa saturação, apagada, com gosto de leite azedo e cheiro de ventinho cinza apagado. Tudo isso pra construir o contraste entre o mau e o bom humor, que chega com cores vibrantes, vivas, num jazz e samba livre e divertido.
Junto a essas cores usei a colagem. Gosto muito dessa técnica porque permite a quem vê percorrer um pouquinho do que foi o processo de pesquisa iconográfica, no caso desse livro, pesquisa sobre o mau humor. Ela junta pedacinhos de outras realidades, muitas vezes distantes, e os coloca todos juntos, num universo novo, criado. Convida a quem vê fazer o mesmo com a realidade que o cerca. Afinal, o que temos de melhor senão essa possibilidade de recriar o nosso cotidiano, sonhar, transformar esses pedacinhos de vida – às vezes mal-humorados – em momentos mais divertidos, vibrantes, humanos? :)